continuação
Éramos felizes, quando corríamos pelas ruas
de número nas costas preso com alfinetes e guiador de arame debruado a fio de
cor, imitando os ciclistas na Volta a Portugal. Quando juntávamos cromos de
jogadores para colar na caderneta e jogávamos ao “virinha” com os repetidos.
Para isso, batíamos com a mão em concha tentando virar os cromos e quando o
cromo ficava em pé encostado a qualquer coisa, era “Esquinete”, mas quando
alguém cuspia na mão para colar ao cromo, era batota. Passávamos horas a ditar
uns aos outros os repetidos que trazíamos numas carteirinhas de cartão com
fitas de nastro feitas por nós e que dobravam e abriam para os dois lados.
Também com os repetidos metidos numa cova, jogávamos à “Coca”, atirando contra
a parede uma moeda previamente côncava, tentando ficar o mais perto possível da
cova. Também juntávamos os “Vitórias” com a esperança de obter um carimbado (o
cabrito, a cobaia ou bacalhau), que vinham embrulhados em rebuçados a dois um
tostão e que podíamos ganhar uma bola de couro, quando conseguíamos encher a
caderneta. Às vezes as moedas que ganhávamos num recado feito às vizinhas, eram
desviadas para a confeitaria, para comprar “Raleio” (que eram restos de pasteis
e bolos que ficavam nos tabuleiros), ou então para a compra do Mosquito no
quiosque do Melo.
Era uma festa dos afectos, quando meu pai
nos aconchegava a roupa da cama, beijava-nos a testa afagando-nos o rosto e
dizia: “Portem-se bem, não arreliem a vossa avó que está velhinha e cansada,
ela tem-me ajudado muito a criar-vos, desde que a vossa mãe nos faltou.”
Também era uma festa, aquelas manhãs de
domingo no verão, em que ia com meu pai e meu irmão no “17” até á praia do
Molhe, brincávamos na areia enquanto ele lia o jornal no banco de pedra que
ainda lá está no paredão. Voltávamos à hora de almoço, cheios de apetite para o
cozido.
Durante estes passeios de eléctrico, meu pai
contava-nos acontecimentos sobre os lugares por onde passávamos, ensinando-nos
muitas coisas. Lembro-me, ao passar no Pinheiro Manso, nos falar do ciclone de
Fevereiro de 1947 (um sábado), que derrubou um enorme pinheiro que lá havia.
Disse-nos ainda: Que a primeira linha de eléctrico do Porto, foi a da
Restauração em 1895; Que em 1855 teve inicio na cidade a iluminação pública a
gás; Que só em 1888 foi inaugurada a rede de distribuição de energia a
particulares e que a rede de esgotos só foi instalada no Porto em 1907.
Contava-nos feitos históricos, como a dos obeliscos que estão no jardim do
Passeio Alegre, que vieram da Quinta da Prelada e por entre eles passaram os
7.500 soldados do exército liberal, os bravos do Mindelo. Eram lições de
história, esses passeios com meu pai. Tenho a certeza que foi ele que incutiu
em mim, este interesse, admiração e amor pela minha cidade.
continua
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