terça-feira, 11 de abril de 2017

SÓTÃO DA MEMÓRIA




continuação

Éramos felizes, quando corríamos pelas ruas de número nas costas preso com alfinetes e guiador de arame debruado a fio de cor, imitando os ciclistas na Volta a Portugal. Quando juntávamos cromos de jogadores para colar na caderneta e jogávamos ao “virinha” com os repetidos. Para isso, batíamos com a mão em concha tentando virar os cromos e quando o cromo ficava em pé encostado a qualquer coisa, era “Esquinete”, mas quando alguém cuspia na mão para colar ao cromo, era batota. Passávamos horas a ditar uns aos outros os repetidos que trazíamos numas carteirinhas de cartão com fitas de nastro feitas por nós e que dobravam e abriam para os dois lados. Também com os repetidos metidos numa cova, jogávamos à “Coca”, atirando contra a parede uma moeda previamente côncava, tentando ficar o mais perto possível da cova. Também juntávamos os “Vitórias” com a esperança de obter um carimbado (o cabrito, a cobaia ou bacalhau), que vinham embrulhados em rebuçados a dois um tostão e que podíamos ganhar uma bola de couro, quando conseguíamos encher a caderneta. Às vezes as moedas que ganhávamos num recado feito às vizinhas, eram desviadas para a confeitaria, para comprar “Raleio” (que eram restos de pasteis e bolos que ficavam nos tabuleiros), ou então para a compra do Mosquito no quiosque do Melo.
Era uma festa dos afectos, quando meu pai nos aconchegava a roupa da cama, beijava-nos a testa afagando-nos o rosto e dizia: “Portem-se bem, não arreliem a vossa avó que está velhinha e cansada, ela tem-me ajudado muito a criar-vos, desde que a vossa mãe nos faltou.”
Também era uma festa, aquelas manhãs de domingo no verão, em que ia com meu pai e meu irmão no “17” até á praia do Molhe, brincávamos na areia enquanto ele lia o jornal no banco de pedra que ainda lá está no paredão. Voltávamos à hora de almoço, cheios de apetite para o cozido.
Durante estes passeios de eléctrico, meu pai contava-nos acontecimentos sobre os lugares por onde passávamos, ensinando-nos muitas coisas. Lembro-me, ao passar no Pinheiro Manso, nos falar do ciclone de Fevereiro de 1947 (um sábado), que derrubou um enorme pinheiro que lá havia. Disse-nos ainda: Que a primeira linha de eléctrico do Porto, foi a da Restauração em 1895; Que em 1855 teve inicio na cidade a iluminação pública a gás; Que só em 1888 foi inaugurada a rede de distribuição de energia a particulares e que a rede de esgotos só foi instalada no Porto em 1907. Contava-nos feitos históricos, como a dos obeliscos que estão no jardim do Passeio Alegre, que vieram da Quinta da Prelada e por entre eles passaram os 7.500 soldados do exército liberal, os bravos do Mindelo. Eram lições de história, esses passeios com meu pai. Tenho a certeza que foi ele que incutiu em mim, este interesse, admiração e amor pela minha cidade.

continua


Sem comentários:

Enviar um comentário