segunda-feira, 26 de junho de 2017

SÓTÃO DA MEMÓRIA


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Outras festas

Uma das festa religiosas, que muito me emocionava (nesses tempos), era a Páscoa, pelo seu ritual litúrgico, desde o compasso que levava a cruz ás casas, passando pelas colchas coloridas nas janelas, aos “verdes” espalhados pelo chão, até ao anho assado na padaria e pelas amêndoas, ao pão-de-ló, do folar dos padrinhos (os ramos era dados no domingo anterior). Mas a recordação que mais me ficou na memória, eram as limpezas que se faziam. A rua de cima a baixo, tinha paus aos lados das casas a fazer de guardas e então lavavam-se os passeios, enceravam-se os móveis, esfregavam-se os soalhos (com aquele sabão amarelo), caiavam-se os muros e as casas que ficavam lindas e brancas, algumas com rodapés de cor, tudo para receber o compasso naquele domingo de alegria pela ressurreição de Cristo. Nós, os miúdos, corríamos ao toque das sinetas, que anunciavam a chegada da Primavera, atrás daqueles homens de opa de cetim vermelho que traziam a cruz. Aleluia! Aleluia! Dizia o padre ao entrar, enquanto nos espargia de água benta. Toda a família o esperava de joelhos para beijar o Senhor na cruz.     
Todos os anos, antes da Páscoa, havia a queima do Judas ao fundo da rua. Um boneco de palha ardia pendurado por arames, enquanto alguém destacado para tal, falava sobre a sua traição a Cristo, evocando subtilmente alguma pessoa da rua, que fosse mais sovina. 
Outras festividades ocorriam durante o ano na cidade: O Senhor do Padrão no Carvalhido, o Senhor do Calvário na Ramada Alta, o Senhor da Boa Fortuna na Vitória e muitas outras romarias. Mas haviam aquelas que minha avó nunca faltava. Logo em Março, era a festa dos Lázaros, que ocorria no Jardim de S. Lazaro, junto á igreja do Recolhimento de Nossa Senhora da Esperança e se estendia até á Av. Rodrigues de Freitas. Recordo-me dos fotógrafos ambulantes, aqueles que tinham cenários pintados com Cow-boys, para metermos a cabeça. Barraquinhas de bugigangas, cestos, louça e o doce de Teixeira.
Depois da Lapa (no 1º domingo de Maia), vinha em 22 de Maio a Santa Rita em Ermesinde. Logo pela manhã apanhávamos o eléctrico nº 9 até ao Alto da Maia e depois lá íamos a pé até à romaria com o farnel para comer numa sombra, lá não faltava a regueifa de Valongo e muita cerejas, que se vendiam em cestos ou em rocas (ramos de cerejas) de enfeitar. Pelo caminho viam-se bandos de peregrinos vindos dos mais diversos lugares, até pescadores de Matosinhos que caminhavam descalços para pagar as suas promessas. A rua enchia-se de mendigos com sua maleitas (tal como se viam na estação de comboios pela festa da Sra. da Hora) a pedirem esmola, Haviam barracas de comes e bebes à fresca que vendiam limonadas e pirolitos, pela bouça de eucaliptos e carvalhos circundantes, haviam pessoas sentadas em mantas comendo o seu farnel. Mulheres vendiam tremoços ao copo, enquanto outras com as regueifas enfiadas no braço, vendiam a regueifa do Lino da Travagem.
Por entre a música dos altifalantes, ouviam-se nos carrosséis chamar as pessoas para os carrinhos de choque, enquanto no “poço da morte” o convite não parava: “Entrar meus senhores, entrar!” Rapazes invadiam as barracas de matraquilhos. A Sta. Rita era uma enorme romaria e ainda hoje, lugar de muita crença e peregrinação. Para estes festejos, vinham os feirantes depois da festa do Senhor de Matosinhos.

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COISAS E LOISAS




segunda-feira, 19 de junho de 2017

SÓTÃO DA MEMÓRIA




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Nessas excursões, havia sempre alguém que se atrasava na partida. Homens que se embebedavam e ficavam a dormir na camioneta com nódoas de vinho na camisa. Crianças com ranho no nariz e os joelhos sujos, que perdiam o boné com o vento quando punham a cabeça de fora da janela e logo se ouvia: «Rais parta o catraio! Já bais bober!
Muitos homens no dia seguinte, pediam à mulher para telefonar ao patrão, que estavam indispostos e não iam trabalhar. É certo que a maioria não ia para conhecer, nem se dava ao trabalho disso, o importante era conviver e passar um bom dia que se resumia a cantar e saber se o vinho da região era bom. Até as fotos que tiravam, não eram a monumentos ou lugares de interesse, limitavam-se a encostarem-se à camioneta em grupo e depois não sabiam dizer onde foi tirada a foto.
Muitos dos passeios que fui mais tarde, eram aqueles pelo rio acima em Batelões, que partiam das escadas da Padeira na Ribeira e eram puxados por barcos a motor até Ribeira d’Abade, aí, desembarcava-se com o farnel para o almoço, arranjava-se um bom lugar para colocar a manta e toca a sentar à fresca. Havia sempre um conjunto de música que abrilhantava a tarde com bailarico, enquanto outros tomavam banho no rio.
Toda esta forma de passeios e excursões, eram uma verdadeira festa e um modo de esquecer por um dia as agruras da vida. Num tempo de vacas magras, também a FNAT, hoje INATEL, organizava excursões para os sócios trabalhadores.
Outros passeios maravilhosos que organizavam lá na rua eram os passeios mistério. Estes passeios eram feitos só por uma pessoa que recebia uma pequena importância de cada participante que nunca sabia para onde ia. Era marcada uma hora e local para a abertura do primeiro envelope que estavam numerados, onde se lia qual o destino, por exemplo:
“Apanhem o eléctrico número 7 até S. Mamede”. Depois era só cumprir sucessivamente todos os destinos, desde o local do café, do almoço, visita a locais históricos da cidade, passagem em lugares desconhecidos, etc. Eram rondas salutares de sabedoria, de prazer e convívio entre amigos, autênticas aulas de história onde a expectativa e a surpresa vivida criavam um dia fora do vulgar.  

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COISAS E LOISAS




segunda-feira, 12 de junho de 2017

SÓTÃO DA MEMÓRIA


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A Festa dos Passeios

No Grupo Excursionista lá da rua, “Haja Paz e Harmonia”, era o Sr. Joaquim corcunda que organizava as excursões, cheguei a ir em pequenito a muitos lugares do Minho e Trás-os-Montes. Mais tarde em Vale Formoso, com o Grupo “Estrela de S. Dinis”, onde meu pai foi vice-presidente e o meu primo Arlindo tesoureiro, cheguei a visitar muitas terras do sul, pelo menos até Setúbal e Castelo Branco. Com o grupo, fui pela primeira vez a Lisboa em 1957, mesmo na altura em que foi demonstrada a RTP na Feira Popular em Palhavã.
Esses dias de passeio, eram esperados com grande ansiedade, pois além da festa que proporcionavam, visitavam-se locais que só na escola se ouviam falar e mais uma vez havia roupa nova para estrear...
Normalmente às sete da manhã, lá estava-mos todos na esquina da Lapa porque a camioneta não entrava na rua. De máquina fotográfica a tiracolo, garrafões e cestos de verga para o pic-nic, que normalmente constavam de frango assado, bolinhos de bacalhau e regueifa. Lá íamos ao Bom Jesus a Braga, à Senhora dos Remédios a Lamego ou ao Parque de La Salette em Oliveira de Azeméis.                
Durante a viagem era hábito dos excursionistas cantarem até ficarem roucos. Vá-se lá saber porquê! Não havia excursão sem cantorias e que não se ouvisse:

Ó Rosa arredonda a saia / Ò Rosa arredonda bem
Ó Rosa arredonda a saia / Olha a roda que ela tem...
Ou então:
Digo adeus á serra d’Agra / Digo adeus ao S. Lourenço
Não te digo adeus a ti /Porque sabes o qu’eu penso.

Canções populares, simples e ingénuas como:

Quem m’ensinou a nadar / Foi o peixinho do mar
Foi, foi, foi moreninha / Foi o peixinho do mar.

Ou então:

O Mar enrola n’areia / Ninguém sabe o que ele diz
Bate n’areia e desmaia / Porque se sente feliz.

Haviam naquela época, cantigas de cariz popular, assim como, as lenga-lengas que em miúdos aprendíamos, por exemplo, quando víamos um caracol:

Caracol, caracol / Põe os corninhos ao Sol.

Ou ao vermos uma Joaninha:

Joaninha voa, voa /Que o teu pai está em Lisboa.

Ou para secar a ardósia na escola, depois de molhada:

Seca aqui, seca acolá / Que amanhã vem o papá.


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COISAS E LOISAS




segunda-feira, 5 de junho de 2017

SÓTÃO DA MEMÓRIA


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Nós, os mais pequenos já sonolentos, ansiávamos pela manhã para ver os brinquedos na chaminé. Chegada a meia-noite, era hora de colocarmos na manjedoura do presépio o menino Jesus, e só depois íamos dormir.
Pela manhã, corríamos ao fogão onde tínhamos deixado as botas de carneira (aquelas em que passávamos sebo por causa da chuva), esperando a prenda do Pai Natal. Lembro-me duma caixa de lápis de cor e um livro com figuras para colorir, duas espadas de chapa com bainha, com que eu e meu irmão tanto esgrimamos, depois de nosso pai nos contar as aventuras dos três Mosqueteiros. Nessa altura, já começava a compreender as dificuldades que meu pai tinha (e não o Pai Natal), para comprar brinquedos.
Como já disse atrás, naquela época inventávamos os nossos brinquedos, com as coisas mais simples que tínhamos á mão imitava-mos os grandes heróis. Bastava um jornal para fazer o capacete e uma vareta de guarda-chuva com um fio forte, para fazer um arco e flecha para imitar o Robin dos Bosques. Com umas tábuas tiradas dum caixote de sabão e alguma habilidade, construía-se um bom carro. Depois haviam os extras: Napa para o acento e costas, um bocado de pneu para o travão, tecido para forrar a corda da direcção para não aleijar, mas o principal eram os rolamentos que comprávamos no farrapeiro na Trindade.
Para conseguir dinheiro para tal compra, passávamos tardes inteiras de sábado aos chumbinhos que caíam na rua de Salgueiros, quando havia tiro aos pombos no Clube de Caçadores no Monte Cativo. De colher em punho, tirávamos a terra em volta dos paralelos, passávamos depois de mão para mão sempre a soprar, até a terra sair e ficarem só os chumbos por serem mais pesados. Quando a latinha estava cheia, levávamos ao farrapeiro que pesava o chumbo até ter o necessário para os rolamentos. Grandes corridas se faziam pelos passeios, imitando o Sterling Moss, ou o Filipe Nogueira nas corridas de 1958 no Castelo do Queijo.
Na manhã do dia de Natal, a criançada lá da rua juntava-se, para mostrar uns aos outros os brinquedos que ganharam do Pai Natal. Éramos todos amigos, unia-nos a alegria e os sonhos numa meninice, onde a alegria de ser menino se media pela solidariedade de todos terem com que brincar, mesmo que fosse pouco.      
      
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