segunda-feira, 5 de junho de 2017

SÓTÃO DA MEMÓRIA


continuação

Nós, os mais pequenos já sonolentos, ansiávamos pela manhã para ver os brinquedos na chaminé. Chegada a meia-noite, era hora de colocarmos na manjedoura do presépio o menino Jesus, e só depois íamos dormir.
Pela manhã, corríamos ao fogão onde tínhamos deixado as botas de carneira (aquelas em que passávamos sebo por causa da chuva), esperando a prenda do Pai Natal. Lembro-me duma caixa de lápis de cor e um livro com figuras para colorir, duas espadas de chapa com bainha, com que eu e meu irmão tanto esgrimamos, depois de nosso pai nos contar as aventuras dos três Mosqueteiros. Nessa altura, já começava a compreender as dificuldades que meu pai tinha (e não o Pai Natal), para comprar brinquedos.
Como já disse atrás, naquela época inventávamos os nossos brinquedos, com as coisas mais simples que tínhamos á mão imitava-mos os grandes heróis. Bastava um jornal para fazer o capacete e uma vareta de guarda-chuva com um fio forte, para fazer um arco e flecha para imitar o Robin dos Bosques. Com umas tábuas tiradas dum caixote de sabão e alguma habilidade, construía-se um bom carro. Depois haviam os extras: Napa para o acento e costas, um bocado de pneu para o travão, tecido para forrar a corda da direcção para não aleijar, mas o principal eram os rolamentos que comprávamos no farrapeiro na Trindade.
Para conseguir dinheiro para tal compra, passávamos tardes inteiras de sábado aos chumbinhos que caíam na rua de Salgueiros, quando havia tiro aos pombos no Clube de Caçadores no Monte Cativo. De colher em punho, tirávamos a terra em volta dos paralelos, passávamos depois de mão para mão sempre a soprar, até a terra sair e ficarem só os chumbos por serem mais pesados. Quando a latinha estava cheia, levávamos ao farrapeiro que pesava o chumbo até ter o necessário para os rolamentos. Grandes corridas se faziam pelos passeios, imitando o Sterling Moss, ou o Filipe Nogueira nas corridas de 1958 no Castelo do Queijo.
Na manhã do dia de Natal, a criançada lá da rua juntava-se, para mostrar uns aos outros os brinquedos que ganharam do Pai Natal. Éramos todos amigos, unia-nos a alegria e os sonhos numa meninice, onde a alegria de ser menino se media pela solidariedade de todos terem com que brincar, mesmo que fosse pouco.      
      
continua
 



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