segunda-feira, 30 de janeiro de 2017
SÓTÃO DA MEMÓRIA
continuação
Toda engalanada com faixas de cetim azul e
vermelho e lindas flores em todos os altares, era muito visitada nesse dia a
Igreja da Nossa Sr.ª. da Lapa, hoje com mais de 250 anos de existência. Foi
construída no mesmo local (na raiz do Monte de Santo Ovídio, em Germalde), onde
em tempos tinha existido uma capela em honra de Nossa Sra. da Lapa, erigida
pelo reverendo Ângelo Ribeiro de Sequeira natural de S. Paulo do Brasil. Desta
capela resta a sua fachada que fica contigua ao muro da parte sul do cemitério.
A igreja actual, foi projectada pelo arquitecto José Figueiredo Seixas e a
primeira pedra foi colocada a 17 de Julho de 1756, mas a sua conclusão só se
verificou em 1863.
Além de possuir no coro alto o maior órgão
da Península Ibérica da autoria do alemão Georg Jann, a igreja da Lapa guarda
numa urna de prata o Coração que D. Pedro IV. No mausoléu da capela-mor,
onde se pode ver gravadas as bandeiras de Portugal e do Brasil e ainda na parte
superior, as armas do Duque de Bragança, D. Pedro IV doou o coração á cidade
que sofreu com ele o cerco de 1833, cujo a essa heróica resistência das gentes
do Porto e das tropas de D. Pedro, se deve a vitória da causa liberal em
Portugal.
O cerco do Porto durou aproximadamente um
ano, de Julho de 1832 a
Agosto de 1833, no qual as tropas liberais de D. Pedro, estiveram sitiadas
pelas forças fieis a D. Miguel. A morte do Rei D. Pedro IV, ocorreu no palácio
de Queluz em 24 de Setembro de 1834 e foi a Imperatriz D. Amélia de Beauharnais
por decisão testamentária, que a 5 de Fevereiro de 1835, chegou á barra do
Douro com o real legado, que foi transladado para a igreja da Lapa perante o apoio
e testemunho de milhares pessoa, ostentando luto carregado e empunhando tochas
acesas.
O cofre com a urna de prata, é aberta de 4
em 4 anos por funcionários da câmara, para que se proceda à mudança do líquido
da jarra de cristal onde o coração se encontra inserido.
É com orgulho que a cidade do Porto ostenta
no seu brasão esta relíquia régia. Para aqueles que nunca repararam nesse
brasão (que também faz parte do emblema do F.C.P.), o coração encontra-se
representado ao centro do escudo.
continua
terça-feira, 24 de janeiro de 2017
SÓTÃO DA MEMÓRIA
continuação
Festa da
Sr.ª. da Lapa
Fui um “ganapo” feliz apesar de tudo e tenho
saudade da minha rua, da minha cidade, das coisas simples como os dias festivos
que durante o ano aconteciam. Romarias como a da Sr.ª. da Lapa, que ainda
hoje ocorre sempre no 1º domingo de Maio. No meu tempo de menino, a festa da
Lapa tinhas as suas barraquinhas da broa de Avintes, cavacas de Paranhos,
caladinhos da Areosa e biscoitos de Valongo.
Haviam sempre muitas tendas de brinquedos
pintados de anilina, como os ciclistas em roda de madeira, que ao andar tocavam
uma campainha, as raquetes onde duas galinhas depenicavam movidas pelos pesos
que faziam de pêndulos, as espingardas de madeira que disparava um pau movido
por uma mola e muitos modelos de carrinhos para as meninas levarem as bonecas
de pano. Ainda haviam os brinquedos de folheta, camionetas, motas, cornetas,
carros dos bombeiros fogões e máquinas de costura. Brinquedos característicos
da zona de Ermesinde, fabricados com o aproveitamento das latas (folha de flandres),
de conserva e outras.
Havia todos os anos duas cestas de madeira,
que balouçavam encostadas às traseiras do Quartel-general no largo da Lapa.
Também nunca faltava junto á fonte de Salgueiros, as barraquinhas de comes e
bebes com mesas improvisadas e bancos corridos de madeira, que vendiam iscas,
chouriço, vinho e pirolitos (limonada com uma bola de vidro).
Por entre as árvores da rua do Paraíso,
havia o homem com banca de dados e três copos de madeira para jogar à sorte,
sempre pronto a fugir á polícia. Lá estava o “propagandista” que juntavam muita
gente á sua volta, para ver a menina que fazia contorcionismo segurando na
testa copos de groselha. Tudo para vender a “Pomada santa de jibóia” que curava
todos os males. Outro circense que não faltava, era o homem que deitava fogo
pela boca enquanto as pessoas atiravam moedas.
Quem nunca faltava nas festas era o tiro ao
alvo, em terreno delimitado por uma corda presa ao chão por quatro escápulas de
ferro e as espingardas de pressão, que apenas disparavam umas setinhas
coloridas para um alvo pendurado numa árvore. O prémio máximo era sempre um
galo que nunca premiava ninguém e que permanecia atado ao chão, indiferente ao
seu destino.
continua
segunda-feira, 16 de janeiro de 2017
SÓTÃO DA MEMÓRIA
continuação
Neste lugar limítrofe do Porto, tal como o
Ameal, Monte dos Burgos, Rio Tinto e outros, vivia muita maralha que era da
cidade. Foi aí, através do contacto com essa gente, que tomei conhecimento dum
modo curioso de falar em
calão. Tão peculiar era o seu linguajar que só uma pessoa do
mesmo lugar era capaz de compreender frases completas numa conversação, por
exemplo, como neste diálogo:
— Ó Zé vamos de frosque, comer uma
chavala num tapirete e um escochebi nas mamas?
— Néria... Vou dar uns chochos e tirar
uns nabos com a garina se não, fico na prancha.
— E amanhã de matina, vais ao praiedo?
— Não manjo o praiedo.
Agora a tradução:
«Ó Zé vamos embora, comer uma sardinha
num pão e um copo de vinho nas Mamas Gordas (Casa conhecida na zona pelas suas
iscas).
— Não... Vou dar uns beijos e uns mimos
à minha namorada se não ela põe-me de lado.
— E amanhã de manhã, vais à praia?
— Não gosto de praia».
O Sr. Pereira, distinto empregado do café Cabinda, é que nos aturava
conseguia compreender e traduzir todo o calão. Grandes noites de sábado que
passamos naquele café com a nossa tertúlia a ver o “Fugitivo” na TV e comer as
célebres “Trincas” (bife com molho inglês e fiambre em pão fresco) que faziam
frente aos pregos do Café Pereira no Marquês.
Haviam naquela época, quatro cafés na
Areosa, o Cabinda, que tinha um recanto com sofás e uma vitrina com um ramo
seco e pássaro. O Luar que ficava na esquina, num prédio igual aos muitos que
haviam nos cruzamentos da Circunvalação e que tempos idos, serviram de postos
aduaneiros para quem entrava na cidade. O Comendador que era o mais moderno e
mais tarde foi a sapataria com o mesmo nome. E por último o S. João que era de
uma sociedades de amigos, onde um deles era o Henrique alfaiate, pai do
Agostinho que esteve comigo na guerra em Angola.
No café Luar, era onde o Quim “manquinho”
trazia o Avante para a malta ler ás escondidas. Íamos à vez à casa de banho
para ler e deixar o jornal dobrado e escondido debaixo da sanita. O Ferrão, que
pertencia ao “Feliz Ferrão” (casa de lotarias na rua Fernandes Tomás) e mais
tarde foi meu furriel no R10 em Aveiro, era um acérrimo leitor deste jornal do
PC e um grande antifascista.
continua
terça-feira, 10 de janeiro de 2017
SÓTÃO DA MEMÓRIA
continuação
Também aos domingos o Sr. Joaquim Corcunda,
vinha receber a cota semanal de vinte e cinco tostões para a excursão no verão
e tomava nota no cartão com cinquenta quadradinhos onde se lia: Grupo
Excursionista “Haja paz e Harmonia”.
A Dona Ermelinda que morava na Ramada Alta e
vendia ouro a prestações, também vinha receber aos domingos lá na rua, sempre
de livro em punho.
De tarde, a malta ia ver o Salgueiros quando
jogava em casa. Íamos aos magotes por S. Brás, passávamos ao campo do Porto na
Constituição (o FCP já jogava nas Antas desde 1952), metíamos ao Covêlo,
descíamos as escadas de S. João e estávamos na rua Augusto Leça, no campo Eng.º
Vidal Pinheiro. Na entrada do campo, pedia-mos: «Meu senhor leve-me consigo...».
E lá entravamos sem pagar, para ver a nossa
equipa do coração. Na altura, o Salgueiros tinha uma grande equipa e era assim:
Barrigana, Chau, Carvalho, Porcel, Mário, Eleutério, Tito Blanco, Longo,
Teixeira, Tai e Benje.
Quando o Salgueiral não jogava em casa,
ficava-mos a jogar à bola no campo do Covêlo e nesses dias, o Tino levava a bola
de câmara-de-ar que tinha ganho com os rebuçados “Vitória”. O Senhor António,
pai do Tino, era o nosso treinador no Grupo infantil da Lapa. Treinávamos no
campo da “Tutoria” para entrar no Torneio Infantil do Salgueiros. Eu era
guarda-redes suplente o Gabriel era o titular. Nessa equipa jogavam além do
Tino e do irmão, o Zequinha, o Chico-ervilha, o Zeca da Amélinha, o Guruga, o
Zé Augusto e o Cocas. Tínhamos todos, cartão da Associação de Futebol do Porto
com uma fotografia tirada na Foto Ramada Alta. Mas, o cartão que mais me
orgulhava era o de sócio infantil do Salgueiros, que o meu pai e a minha
madrasta me deram quando fiz dez anos, por nunca ter perdido nenhum ano na
escola. A cota naquele tempo era de vinte e cinco tostões por mês.
Só voltei a jogar futebol muitos anos depois
na baliza das reservas do Sporting Clube da Cruz, daí fui para os Águias da
Areosa, quase na altura da sua fundação no café Cabinda pelo Sr. Avelino, o Sr.
Alfredo e outros amigos que não me recorda o nome. Joguei mais a brincar do que
outra coisa, com o Zé Guilherme, Barbosa, Lino, Murça, Zequita, Moka, João e
muitos mais. Aliás, foi dali (muitos anos mais tarde) que saiu para o Boavista
o João Pinto que era do bairro do Falcão. Mais ao menos nessa altura, tinham
começado os campeonatos de Futebol Amador e os rivais dos Águias, eram o
Lusitano de Pedrouços e os Unidos ao Porto do Bairro João de Deus.
Foi numa época em que na Areosa, ainda havia
a fábrica de tecidos do Manuel Pinto de Azevedo, onde trabalhavam centenas de
mulheres bonitas que davam vida ao lugar as “pataqueiras”como lhe chamavam. Na
altura, ainda haviam os postos da PVT (Policia de Viação e Trânsito) nos
cruzamentos da Circunvalação, a estrada era cheia de árvores que contornava a
cidade. Hoje, com viadutos, VCI’s e outros acessos, desta estrada fresca por
onde íamos ao domingo de manhã no 78 para a praia, pouco resta.
continua
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