Boas recordações
Ainda encontramos na vida
momentos que são boas recordações, mesmo os passados quantas vezes, na
adversidade da nossa infância, como dizia o meu querido amigo José Neves:
«...eram
tempos, onde a carência do pão, era sempre compensada com a festa dos
afectos...»
Das boas
recordações que guardo no sótão da memória, apesar de perder muito cedo a minha
mãe, é duma infância vivida com a ternura de um pai afectuoso, que soube ser um
exemplo de persistência como incentivo para a minha vida. De uma avó carinhosa
e sempre presente, sem deixar de ser severa na educação, e de um irmão amigo e
companheiro que muito amo. Apesar da adversidade, nunca me faltou a alegria de
viver, a harmonia e a amizade dos amigos que comigo se cruzaram na universidade
da rua.
Como qualquer criança, levada pela ilusão
própria da idade (apesar da minha geração ter sido adulta muito cedo), a
ansiedade por dias de festas era enorme. As festas eram mimos, atenções,
alegrias acrescidas e... como diz o MEC (Miguel Esteves Cardoso):
«…nós,
os portugueses, apenas precisamos de um pretexto para comemorar qualquer
coisa…».
Bastava um dia de festa e a comida era
melhorada, estreava-se uma camisola ou umas sandálias novas e havia mais
alegria nas pessoas e nas ruas.
Para mim, os domingos eram sempre uma festa,
primeiro porque havia manteiga para pôr no pão, depois porque ao almoço havia
cozido à portuguesa, ouvia-se “A Voz dos Ridículos” no rádio e o Salgueiros (que
era uma nação) jogava de tarde!
Logo pela manhã,
depois de ser obrigado a ir à missa com a minha avó, ela mandava-me à mercearia
do Sousa (que tinha sempre meia porta aberta ao domingo e no passeio o “Mudo” a
engraxar sapatos), para comprar dez tostões de manteiga que o marçano punha num
papel vegetal, depois de tirar dum pote de porcelana com uma espátula de
madeira. Passava pela padaria do “ Zé Mouco” e trazia os “moletes” para o café
e a regueifa para o almoço. Nestas manhãs de domingo, a minha rua estava sempre
alegre, com as janelas abertas, roupa a secar nas cordas e os poucos rádios que
haviam, onde durante a semana as mulheres ouviam o “Tide”, tinham o som alto
onde às vezes se ouvia a Maria Rosa Rodrigues cantar:
Pela
calçada da serra / Subíamos distraídos
Aos
domingos que saudade / Eu e tu muito entretidos
A
olhar p’ra nossa terra / A olhar nossa cidade.
continua
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