terça-feira, 3 de janeiro de 2017

SÓTÃO DA MEMÓRIA





Boas recordações



Ainda encontramos na vida momentos que são boas recordações, mesmo os passados quantas vezes, na adversidade da nossa infância, como  dizia o meu querido amigo José Neves: 

«...eram tempos, onde a carência do pão, era sempre compensada com a festa dos afectos...»                                             

Das boas recordações que guardo no sótão da memória, apesar de perder muito cedo a minha mãe, é duma infância vivida com a ternura de um pai afectuoso, que soube ser um exemplo de persistência como incentivo para a minha vida. De uma avó carinhosa e sempre presente, sem deixar de ser severa na educação, e de um irmão amigo e companheiro que muito amo. Apesar da adversidade, nunca me faltou a alegria de viver, a harmonia e a amizade dos amigos que comigo se cruzaram na universidade da rua.

Como qualquer criança, levada pela ilusão própria da idade (apesar da minha geração ter sido adulta muito cedo), a ansiedade por dias de festas era enorme. As festas eram mimos, atenções, alegrias acrescidas e... como diz o MEC (Miguel Esteves Cardoso):

«…nós, os portugueses, apenas precisamos de um pretexto para comemorar qualquer coisa…».

Bastava um dia de festa e a comida era melhorada, estreava-se uma camisola ou umas sandálias novas e havia mais alegria nas pessoas e nas ruas.

Para mim, os domingos eram sempre uma festa, primeiro porque havia manteiga para pôr no pão, depois porque ao almoço havia cozido à portuguesa, ouvia-se “A Voz dos Ridículos” no rádio e o Salgueiros (que era uma nação) jogava de tarde!  

Logo pela manhã, depois de ser obrigado a ir à missa com a minha avó, ela mandava-me à mercearia do Sousa (que tinha sempre meia porta aberta ao domingo e no passeio o “Mudo” a engraxar sapatos), para comprar dez tostões de manteiga que o marçano punha num papel vegetal, depois de tirar dum pote de porcelana com uma espátula de madeira. Passava pela padaria do “ Zé Mouco” e trazia os “moletes” para o café e a regueifa para o almoço. Nestas manhãs de domingo, a minha rua estava sempre alegre, com as janelas abertas, roupa a secar nas cordas e os poucos rádios que haviam, onde durante a semana as mulheres ouviam o “Tide”, tinham o som alto onde às vezes se ouvia a Maria Rosa Rodrigues cantar:           

Pela calçada da serra / Subíamos distraídos

Aos domingos que saudade / Eu e tu muito entretidos     

A olhar p’ra nossa terra / A olhar nossa cidade.



continua



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