segunda-feira, 16 de janeiro de 2017

SÓTÃO DA MEMÓRIA




continuação



Neste lugar limítrofe do Porto, tal como o Ameal, Monte dos Burgos, Rio Tinto e outros, vivia muita maralha que era da cidade. Foi aí, através do contacto com essa gente, que tomei conhecimento dum modo curioso de falar em calão. Tão peculiar era o seu linguajar que só uma pessoa do mesmo lugar era capaz de compreender frases completas numa conversação, por exemplo, como neste diálogo:

        — Ó Zé vamos de frosque, comer uma chavala num tapirete e um escochebi nas mamas?

        — Néria... Vou dar uns chochos e tirar uns nabos com a garina se não, fico na prancha.

        — E amanhã de matina, vais ao praiedo?

        — Não manjo o praiedo.

Agora a tradução:

        «Ó Zé vamos embora, comer uma sardinha num pão e um copo de vinho nas Mamas Gordas (Casa conhecida na zona pelas suas iscas).

         — Não... Vou dar uns beijos e uns mimos à minha namorada se não ela põe-me de lado.

         — E amanhã de manhã, vais à praia?

         — Não gosto de praia».

      O Sr. Pereira, distinto empregado do café Cabinda, é que nos aturava conseguia compreender e traduzir todo o calão. Grandes noites de sábado que passamos naquele café com a nossa tertúlia a ver o “Fugitivo” na TV e comer as célebres “Trincas” (bife com molho inglês e fiambre em pão fresco) que faziam frente aos pregos do Café Pereira no Marquês.

Haviam naquela época, quatro cafés na Areosa, o Cabinda, que tinha um recanto com sofás e uma vitrina com um ramo seco e pássaro. O Luar que ficava na esquina, num prédio igual aos muitos que haviam nos cruzamentos da Circunvalação e que tempos idos, serviram de postos aduaneiros para quem entrava na cidade. O Comendador que era o mais moderno e mais tarde foi a sapataria com o mesmo nome. E por último o S. João que era de uma sociedades de amigos, onde um deles era o Henrique alfaiate, pai do Agostinho que esteve comigo na guerra em Angola.

No café Luar, era onde o Quim “manquinho” trazia o Avante para a malta ler ás escondidas. Íamos à vez à casa de banho para ler e deixar o jornal dobrado e escondido debaixo da sanita. O Ferrão, que pertencia ao “Feliz Ferrão” (casa de lotarias na rua Fernandes Tomás) e mais tarde foi meu furriel no R10 em Aveiro, era um acérrimo leitor deste jornal do PC e um grande antifascista.  



continua 




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