segunda-feira, 20 de fevereiro de 2017

SÓTÃO DA MEMÓRIA


continução

Do bairro da Lapa, fazem parte a rua e travessa da Sra. da Lapa, a rua e calçada do Monte da Lapa, a rua e travessa, escadas e largo da Lapa, lugares de onde guardo muita saudade.
Ao passear a lembrança pelas minhas raízes posso ver ainda todas as “ilhas”, aqueles pátios cercados de modestas casinhas, algumas airosos com vasos de avenca, begónias e sardinheiras ás portas. Pelas paredes brancas e ocres, viam-se andorinhas de barro e azulejos com quadras populares. Outros pátios eram húmidos e recônditas onde nem o Sol chegava. As ilhas mais conhecidas da minha rua tinham sempre o nome da pessoa mais carismática que lá morava, era a ilha do Cego, do Almeida, do Cocas, da Zirinha, da Amélinha, do Capelas, do Oliveira, do Leites e tantas, tantas por onde brinquei na minha meninice e fugi descalço á policia, nesse tempo em que a multa por andar descalço, eram de oitenta escudos com uma coroa.
Recordo no começo da rua Antero de Quental, na esquina do Monte da Lapa, a Capela de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro que o Senhor Correia alfaiate e a família zelavam, foi mesmo com uma das filhas que lá aprendi a catequese e era a sua esposa que levava de casa em casa, o altar da Sagrada Família como era uso naquele tempo. Na rampa, vivia o Mário Rui que tinha criada para o levar á escola, mas que repartia comigo o lanche que trazia num guardanapo bordado (assim como, ficava na fila para receber o pão só para me dar depois).
Ainda mais acima, na calçada do Monte da Lapa, vivia numa casinha modesta o Carmo que ficou sem o pai no desastre de Custóias. Bem lá no alto está o Mirante (como lhe chamamos), local onde a bateria da Glória, no tempo do cerco do Porto, num fogo cruzado com a bateria do Monte Pedral, impediram uma esmagadora derrota das tropas constitucionais a 9 de Setembro de 1832. O mesmo voltou a acontecer no dia 16, havendo a lamentar o incêndio que destruiu a bela casa e a capela da Quinta do Covêlo.
Defronte à capela, ficam as escadas da Travessa da Lapa que termina na travessa de S. Brás, defronte duma oficina de picheleiro onde trabalhava o Mário canalizador. A rua de S. Brás que tinha a maioria das casa mais baixas que a rua (como acontecia numa boa parte da rua de Camões), vem dar á rua do Paraíso junto ao largo da Lapa. Depois da escadaria da Igreja, naquele passeio largo defronte ao cemitério, era onde fazíamos corridas com carros de rolamentos e deitávamos estrelas ao vento. Nas traseiras do quartel, ainda existe um enorme portão, onde naquele tempo, os mais pobres munidos de panelas e tachos, faziam fila esperando os restos do “rancho”.
Do lado direito do quartel, fica a rua da Regeneração onde está a garagem da Lapa e a casa de pasto Piramidais á esquina da travessa da Regeneração. Esta ruela que se estreita até se transformar por um lado, numa viela que acaba na rua de Camões junto ao fontanário e por outro no final da ilha que tinha o seu começo na rua do Paraíso e que já não existe. Toda essa gente que ali vivia foi para os bairros do Carriçal e do Agra do Amial. Amigos como o Sérgio, o Fernando e o Manuel Cardinal, que ainda hoje os encontro pelo Fado Vadio. Naquele tempo, a rua do Paraíso era uma rua cheia de árvores, onde havia uma padaria com a frontaria lindíssima em azulejos, havia o “Prego” (casa de penhores), que pertencia ao Sr. Reis (pai do actor António Reis) e onde tantas vezes fui com a minha avó empenhar o fato de meu pai á segunda, para levantar à sexta. Junto à entrada da maior ilha da rua, estava o tasco “A Flor do Paraíso”. Havia também o Azeiteiro que tinha uma bomba de manivela (como as de combustíveis para motorizadas), sobre o balcão, para medir e vender o azeite. 
A rua da Lapa também com muitas árvores, tinha argolas de ferro na parede do quartel que já foi de cavalaria e onde antigamente prendiam os cavalos. Esta rua termina no largo da Lapa e começa na praça da Republica á esquina da rua da Boavista, onde está o antigo café que se chama “Novo”. Esta rua, era a mais central do bairro com muito comércio, desde o relojoeiro que tinha um relógio de dupla face na frontaria, até ao café e confeitaria Cristal (que foi a primeira a ter televisão e a miudagem pagava dez tostões por um copo de leite, para ver os desenhos animados ao domingo), passando pela afamada Rosa das Iscas, a tabacaria do Campo (Campo porque a praça da Republica aberta em 1760, se chamou em tempos, Praça de Santo Ovídio e depois Campo da Regeneração), a drogaria do Pretinho da Lapa e a tabacaria do Melo na esquina do jardim frente ao quartel e a papelaria do Campo onde comprava-mos (quando podíamos), as construções de armar em cartolina, o Mosquito, o Mundo de Aventuras, o Ciclone ou o Mickey e os cromos dos jogadores.

continua

 



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