continuação
Ao lado do hospital da Lapa, era a rua de
Salgueiros (hoje rua de Cervantes), onde além da ilha de Salgueiros, bairro
operário onde vivia muita gente, existe a Fonte de Salgueiros a que chamávamos
o tanque. Aí tomávamos banho nas tardes de calor, depois de jogar á bola de
trapos. O nosso “campo da bola”, para mal do Camilo da mercearia, era no largo
ao fundo da rua da Glória, onde tinha o chafariz encostado ao muro do hospital
e acabava o muro com uma rede alta que dava para o local escarpado a que
chamávamos “Quintinhas”. Desse local avistávamos as Águas Férreas, a Figueirôa,
a Carvalhosa, a linha do comboio da Póvoa (hoje do Metro), a “Tutoria” (hoje
tribunal de menores), com o seu campo de futebol que por ser mais estreito dum
lado, lhe chamávamos o campo do bacalhau. Era uma vista soberba que em dias de
Outono, com as árvores do jardim da Boavista despidas, ainda se podia ver a
monumental estátua à Guerra Peninsular, de autoria do arquitecto Marques da
Silva e do escultor Alves de Sousa.
Parte da rua Sr.ª. da Lapa é ao longo do muro
do hospital e só tinha casas dum lado. A um lote dessas casas todas iguais,
chamávamos “Casa das Varandas”, onde por baixo havia a loja das miudezas
(retrosaria) da dona Aurora. Havia também as mercearias do Marques, do Adérito
e lá na esquina da Lapa a mercearia fina do Pina, onde a Zirinha no passeio
punha banca de hortaliças aos fins-de-semana e no verão, muitas mulheres vendiam
mexilhões, lapas e tremoços. Às vezes havia um sorveteiro, com sorvetes de
sabor a baunilha ou chocolate. Por vezes também lá estava o Alberto bananeiro
com a padiola das bananas.
Eram ruas com gente boa, prestável e muito
amiga. Não é como os tempos de hoje que ninguém se conhece no prédio onde mora.
Os vizinhos tinham uma importância muito grande, eram como família quem nos
socorriam nas horas más e festejavam nos momentos de felicidade.
Lembro-me de muitas pessoas boas, mas
existiam aquelas que nunca esquecemos como: A Dona Leonor que era enfermeira e
dava injecções de graça; A irmã da Julinha peixeira que talhava o medo com
orações e as bichas (que deformavam o rosto) com leite, ainda cosia os pés “estorcegados”
com um pote de barro e com uma faca, rezava às estrelas para talhar os “treçogos”.
Depois, lá na minha rua havia de tudo: O Mário estofador que era filho
do Arnaldo sapateiro; O Mesquita que trabalhava na refinaria da SONAP e era pai
dos gémeos; O pai do Ervilha e do Berto que era alfaiate; Outro alfaiate era o
Henrique onde a Emília era calceira; O Amaral pai da Branca, que era adeleiro
em Mártires da Liberdade; O Alfredo Borges campeão de natação do Sporting Clube
da Lapa que era litógrafo e foi o padrinho do meu irmão; O Jaime bombeiro nos
Sapadores que tinham o quartel em Gonçalo Cristóvão antes de irem para a
Constituição.
continua
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