terça-feira, 14 de março de 2017

SÓTÃO DA MEMÓRIA




continuação

Havia ainda o amolador e guarda-soleiro, com aquela gaita-de-beiços em plástico, a bicicleta que ele transformava em roda livre para afiar as tesouras e facas no esmeril. Este velocípede era uma verdadeira oficina ambulante, onde o funileiro com habilidade conseguia tapar buracos nos tachos e nas panelas de alumínio.  
Recordo comovido, uma mulher magra de xaile preto e um filho pela mão, que trazia uns galhos enormes ainda com rama na ponta e que apregoava numa voz fraca: “Chaminééés...” Mas que nada tinham a ver com os homens chamados “Limpa chaminés”, esses, traziam umas cordas ao ombro e andavam sempre de fato-macaco sujo de fuligem. Também de cordas às costas e boné com uma placa onde tinha gravado o seu número de profissional, andavam os “Carrejões” ou carregadores que fazia carretos e fretes, transportando bagagens e peças de mobiliário. A maior parte desses homens eram galegos e passavam o dia junto às estações de Campanhã, S. Bento e Trindade, na Praça Filipa de Lencastre junto às camionetas de Braga, em José Falcão no Linhares da Póvoa, na garagem Atlântica das camionetas de Espinho, na rua de Camões nas camionetas de Felgueiras e de Paços de Ferreira, que paravam no largo das traseiras do “Bonnevile de Oliveira” e outros locais como os recoveiros espalhados pela cidade. Também com bonés com chapa numerada, andavam os cauteleiros que vendiam a lotaria pelas ruas e apregoavam a sorte grande pela baixa onde também andavam homens a vender gravatas num pau pendurado ao pescoço, que fazia de expositor.
Na Trindade, junto à viela do Bonjardim (aquela onde tinha um urinol em pedra), havia o homem das canetas numa banca onde arranjava todo o tipo de aparos para as canetas de tinta permanente. Quase na esquina da rua Fernandes Tomas, havia um cinzelador numa janela, cinzelando a prata colada à pedra com breu e que delicadamente com o buril ia gravando lindos motivos e desenhos. Outros artistas que me fascinavam eram os marmoristas nas oficinas de Mártires da Liberdade e Avenida Rodrigues de Freitas. Eram autênticos escultores trabalhando o mármore, de onde saíam anjos e outras figuras que embelezam muitas sepulturas nos cemitérios e não só.
Haviam os homens da Água e da Electricidade, que cobravam e contavam (com uma pilha), a luz e a água, embora fossem poucas as casas que tinham estes “luxos”, a maioria na minha rua, tinha candeeiros e máquinas de petróleo da “Hipólito” para cozinhar. A água vinha à cabeça em canecos de madeira do fontanário do largo. Esta água era abastecida pela câmara, mas na fonte de Salgueiros passavam as águas do Ribeirinho (nascente dos Montes de Germalde e do Cativo), que enchiam o tanque da “Fonte dos Ablativos” em Cedofeita enfrente à rua da Torrinha (esta fonte encontra-se exposta no Jardim dos SMAS em Nova Sintra) e tinha a dupla função de servir de abastecimento público, funcionando ainda como reservatório para ser utilizada em caso de incêndio.

continua



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