continuação
Em casa, o caneco da água tinham uma tampa e
um púcaro de alumínio pendurado para beber. Nesse tempo, havia prateleiros nas
cozinhas decorados com tiras de papel estampado com diversos motivos florais. A
minha avó fazia-os com jornal, pacientemente recortado a imitar renda. Havia
fogões a carvão como o de lá de casa e aos sábados (depois do meu pai receber),
ia-mos ao carvoeiro comprar petróleo e álcool para a máquina, carqueja, carvão
de choça, de pedra, briquetes e lamas para abafar os assados. Este carvão vinha
até às Antas, no Monte Aventino, em cestas tipo teleférico, desde as minas de
S. Pedro da Cova. A carqueja era vendida também pelas carquejeiras que andavam
nas ruas, depois de a desembarcarem dos barcos no Douro e subirem a Rampa da
Corticeira até ás Fontainhas.
A carne comprava-se no talho da Lapa, acima
da mercearia da Pina e junto ao “Damaneto” (que vendia mobílias a prestações),
ou no talho do Zé à entrada de Mártires da Liberdade, pegado ao portal (onde
mais tarde foi o Salão de Baile “ Japoneza) e onde a Guidinha apanhava malhas
nas meias de vidro. Ás terças, passava a Emilinha “Fressureira” que era do
Campo Lindo e vendia de porta em porta tripas enfarinhadas, fígado e outras
miudezas a que se chamava fressuras. A pobreza em que se vivia não deixava
comer muita carne, os bifes eram raros, por isso naquele tempo haviam muita
gente com a saúde debilitada e em grande estado de fraqueza. Era um tempo de
muitas doenças e dos lenços tabaqueiros, suficientemente grandes e vermelhos
para camuflar as hemoptises da maldita tuberculose que minava a cidade.
Vendiam-se doces e biscoitos ao quilo, havia
mesmo uma mulher das Cruzes (para os lados das Barrocas), que vendia
“Caladinhos” (cornucópias recheadas de creme), mas a nossa predilecção ia para
o homem das farturas, com um carro de bicicleta que tinha vidros de correr como
uma montra, que cortava as farturas com a tesoura, polvilhava com canela e
açúcar para vender a cinco tostões. Ao descer a íngreme rua da Glória, a
preocupação maior deste homem, era travar bem o carro, para não acontecer como
o Fausto varredor da câmara, a quem destravaram a carroça do lixo e o
desgraçado do cavalo foi morrer contra o muro do hospital (sim, porque nesse
tempo os carros do lixo eram carroças).
Nos dias de muito calor vinha um homem da
Areosa que vendia água fresca da Fonte dos Cortiços, trazia um cântaro de barro
coberto com eras pendurado ao ombro por uma correia de cabedal. No Outono, não
faltavam os vendedores de castanhas com cestos e saco de serapilheira e os “Castanheiros”
que as assavam no carvão e ficavam cinzentas do sal. Na esquina do jardim do
Marquês com João Pedro Ribeiro, mesmo à porta do Asilo do Terço (onde havia uma
sala de cinema coberto com uma lona e que nos dias de chuva vinham homens, no
intervalo do filme, com uns paus empurrar a lona para escorrer a água da chuva
que empossava), havia um assador de castanhas do feitio de uma máquina do
comboio, que misturava o fumo com o nevoeiro da cidade e era lindo de ver...
continua
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