segunda-feira, 1 de maio de 2017

SÒTÃO DA MEMÓRIA




continuação



Os bairros eram uma espécie de fortaleza, era o nosso castelo, os miúdos da Lapa não brincavam com os do Monte Pedral. O rapaz que ia namorar uma rapariga da Areosa, tinha que pagar uns copos no tasco á malta de lá e mostrar que vinha em paz para ser bem recebido. Havia o nosso espaço, o nosso clube, a nossa gente. Mesmo no futebol, quando o Cruz ia jogar ao Progresso, ou o Ramaldense ia jogar ao Foz, alguns desentendimentos surgiam durante o desafio, no final do jogo tudo era superado com um “negus” (copo de tinto) e uma sardinha frita num bocado de broa.

A cidade, eram todos os bairros juntos, eram a comunidade orgulhosa de ser portuense, de ser bairrista. De trocar os bês e ser tripeira. A diferença hoje? É simples! Dizer: «O meu bloco», não tem nada a ver com aquele sentimento de brio e orgulho quando se diz: «A minha rua!».

Nesta era da globalização, o conceito de bairrismo, de vizinhança, e de solidariedade perdeu-se. Hoje há quem saia da garagem para fazer compras no supermercado do shopping, volte á garagem, suba no elevador e entre em casa, sem conhecer o vizinho do lado, nem saber na mercearia do bairro que o homem da senhora Aninhas está doente e que o merceeiro assentou no livro os doze tostões da posta de bacalhau demolhado que levou. Hoje há quem vá almoçar ao domingo á Póvoa, sem precisar de ir numa excursão. Hoje são os bancos que procuram clientes com ofertas tentadoras de crédito, já ninguém precisa de levantar dinheiro numa caixa de amigos, ou empenhar a coberta da cama para se valer numa aflição.

Cresceu o egocentrismo e a petulância dos políticos e o novo-riquismo de alguns, veio tapar a pobreza encoberta, a degradação dos princípios, o flagelo da droga, o aumento do desemprego e a ruína das famílias, para dar lugar a esta farsa de uma vida melhor, onde quatro quintos da população vivem por decreto, com subsídios de inserção social, fundo de desemprego e pensões de miséria.

Acabaram com as escolas industriais, viveiros de instrução de onde saíram os serralheiros, os electricistas, os mecânicos e outras profissões, que começavam como aprendizes até serem mestres nas mais variadas profissões que agora ninguém tem, para darem lugar aos “doutores” em excesso, que depois de adquirirem o canudo, imigram ou ingressam no exército dos desempregados onde um quinto da população tem que sustentar, à custa dum sistema de previdência quase em ruína.

“A juventude não é boa nem má, é produto da época em que vive”, esta é uma frase do escritor Manfred Gregor. A juventude de hoje não é como a dos anos 50 e 60, mas é a que vive a vida que lhe dão, com outros obstáculos, com outras carências, que mesmo com toda a tecnologia actual, em certos aspectos, não sei se será mais feliz do que nós fomos.





continua


Sem comentários:

Enviar um comentário