continuação
Os bairros eram uma espécie de fortaleza,
era o nosso castelo, os miúdos da Lapa não brincavam com os do Monte Pedral. O
rapaz que ia namorar uma rapariga da Areosa, tinha que pagar uns copos no tasco
á malta de lá e mostrar que vinha em paz para ser bem recebido. Havia o nosso
espaço, o nosso clube, a nossa gente. Mesmo no futebol, quando o Cruz ia jogar
ao Progresso, ou o Ramaldense ia jogar ao Foz, alguns desentendimentos surgiam
durante o desafio, no final do jogo tudo era superado com um “negus” (copo de
tinto) e uma sardinha frita num bocado de broa.
A cidade, eram todos os bairros juntos, eram
a comunidade orgulhosa de ser portuense, de ser bairrista. De trocar os bês e
ser tripeira. A diferença hoje? É simples! Dizer: «O meu bloco», não tem nada a
ver com aquele sentimento de brio e orgulho quando se diz: «A minha rua!».
Nesta era da globalização, o conceito de bairrismo,
de vizinhança, e de solidariedade perdeu-se. Hoje há quem saia da garagem para
fazer compras no supermercado do shopping, volte á garagem, suba no elevador e
entre em casa, sem conhecer o vizinho do lado, nem saber na mercearia do bairro
que o homem da senhora Aninhas está doente e que o merceeiro assentou no livro
os doze tostões da posta de bacalhau demolhado que levou. Hoje há quem vá
almoçar ao domingo á Póvoa, sem precisar de ir numa excursão. Hoje são os
bancos que procuram clientes com ofertas tentadoras de crédito, já ninguém
precisa de levantar dinheiro numa caixa de amigos, ou empenhar a coberta da
cama para se valer numa aflição.
Cresceu o egocentrismo e a petulância dos
políticos e o novo-riquismo de alguns, veio tapar a pobreza encoberta, a
degradação dos princípios, o flagelo da droga, o aumento do desemprego e a
ruína das famílias, para dar lugar a esta farsa de uma vida melhor, onde quatro
quintos da população vivem por decreto, com subsídios de inserção social, fundo
de desemprego e pensões de miséria.
Acabaram com as escolas industriais,
viveiros de instrução de onde saíram os serralheiros, os electricistas, os
mecânicos e outras profissões, que começavam como aprendizes até serem mestres
nas mais variadas profissões que agora ninguém tem, para darem lugar aos
“doutores” em excesso, que depois de adquirirem o canudo, imigram ou ingressam
no exército dos desempregados onde um quinto da população tem que sustentar, à
custa dum sistema de previdência quase em ruína.
“A juventude não é boa nem má, é produto da
época em que vive”, esta é uma frase do escritor Manfred Gregor. A juventude de
hoje não é como a dos anos 50 e 60, mas é a que vive a vida que lhe dão, com
outros obstáculos, com outras carências, que mesmo com toda a tecnologia actual,
em certos aspectos, não sei se será mais feliz do que nós fomos.
continua
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