terça-feira, 8 de agosto de 2017

SÓTÃO DA MEMÓRIA


continuação       

O Daniel desenhador de litografia e poeta nas horas vagas, vinha à janela tirar fotografias com a sua Kodak. O Daniel, era capaz de ver beleza naquilo que os outros nem reparavam. Dizia muitas vezes:
“Não há mulheres feias, só há menos bonitas”.
Como me lembro bem da malta desse tempo... Com algumas deles, continuei amigo pela vida fora, como o Edgar que morava numa ilha da rua do Paraíso, juntos andamos na guerra do Ultramar, chegou a cumprir lá prisão por deserção, não aguentava a hipocrisia que se vivia por lá, por entre os meandros do fascismo. Juntos fizemos grandes borgas, foi chefe na  CP, morreu já lá vão uns anos, teve muito pouco tempo para ser feliz...
O Aníbal que andou comigo na escola primária, foi vocalista de um conjunto e autor duma canção conhecida na época com o título: “Lurdes” (com quem chegou a casar), depois trabalhou num banco e suicidou-se por alguma razão pessoal que eu nunca soube.
O Sérgio irmão da Virinha (a minha primeira paixão), que é actor de teatro e fadista amador, vendedor de profissão e taxista nas horas vagas, residia na travessa da Regeneração e foi para o Bairro do Agra, para onde foram também o Manel Russo, o Jota, o Domingos, o Cardinal e muitos outros, que moravam nas ilhas. O Franclim Simões neto do picheleiro que tocava viola e mais tarde foi também fadista amador e tipografo.
Como é bom recordar hoje esses amigos de infância, com alguns ainda me encontro pelas esquinas da vida.

Mas voltando ao meu S. João.
Os miúdos como eu tinham as cascatas nos passeios, feitas com musgo, pedrinhas e um pratinho para as moedas. Começávamos pelo principal, o altar dos três santos populares. Depois, conforme os tostões que íamos arrecadando, lá comprava-mos o “cagão”, o pescador (a quem púnhamos uma piaçaba como fazer cana de pesca), o pastor e o rebanho, a leiteira e a banda de música. Esta era muito difícil de completar, pois nunca tínhamos tostões suficientes. Pedia-mos a quem passava:
«Dê-me um tostãozinho para o S. João...».
Desde o S. António ao S. Pedro, todos os dias se fazia e desfazia a cascata, guardava-se tudo numa caixa de sapatos, o musgo a areia e os santos de barro. 

continua 

 



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