segunda-feira, 14 de agosto de 2017

SÓTÃO DA MEMÓRIA





continuação

Na Lapa, as mulheres com bancas montadas nos passeios, a venderem manjerico com quadras de S. João impressas em papel colorido e coladas em arames finos como se fossem bandeirinhas, vendiam também o alho-porro e erva-cidreira. Não havia ainda a praga dos martelinhos que por ironia, foi o Ventura dos plásticos da rua do Paraíso que inventou para a queima das fitas e os que sobraram vendeu-os no S. João, a partir daí, a moda pegou para desgosto dos mais tradicionalistas. Mas isto já foi nos anos 80.
Também acabaram os homens com padiolas, que vendiam chapéus feitos de papel de muitas cores e feitios, bivaques com berloques, de aba larga ou pequeninos com flor para as meninas. Vendiam também aquelas bolas de papel cheias de serrim com elástico, que se prendia no dedo anelar e se jogava à cabeça das meninas. Vendiam-se “bichinhas-de-rabiar”, os pirilampos e as rodelas de fogo preso, que se prendia num prego para girar. Haviam ainda os balões feitos de papel, para largar com mexa embebida em petróleo depois de bem abertos á custa de abanadores que insuflavam ar. Estes eram os característicos balões de S. João, não havia rua que não lançasse um balão, eram como estrelas luzidias que pairavam no ar, mensagens de luz a iluminar aquela bela noite de Junho.
S. João na rua estava quase a rebentar! Nos altifalantes ouvia-se o Conjunto António Mafra:

Deite um manjerico na manhã de S. João
Deite um manjerico e com ele o coração
Agora acredito na tua afeição
Deite um manjerico na manhã de S. João

Junto da cabine de som, o “Vermelho”, polícia da esquadra do Paraíso, verificava as licenças:

«Direcção Geral dos Espectáculos... Governo Civil... Muito bem, está tudo em ordem».

Era vermelho por causa da “pinga” que lhe punha o nariz e as faces encarnadas, não por opção política, nesse tempo até os barbeiros tinham um letreiro: ”É proibido discutir política”. Que o diga o falecido Sr. Ernesto, (que trabalhava na “Calandra do Bonfim”) e que “Os vampiros” levaram até à rua do Heroísmo, naquela noite em que algum “Bufa” o denunciou e encontraram o “Avante” em cima do guarda-vestidos. Quando voltou vinha magro e branco, tinha perdido aquele olhar vivo que tinha, para dar lugar ao baço e triste. Ele que tinha andado no ano anterior na campanha do Humberto Delgado, eu era miúdo, mas lembro-me da minha avó me dizer, a caminho da padaria na rua de Sá Noronha:
«A nossa politica é a tigela da sopa!».

Mas o Sr. Ernesto lá estava à entrada da Praça Carlos Alberto gritando:
«Abaixo o fascismo!».

continua
 


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