continuação
Muito
mais tarde eu, o Quim manquinho e o Deolindo, líamos o “Avante” ás escondidas
no café Luar. Um a um íamos ao wc e guardávamos o jornal enrolado debaixo da
sanita. Até ao dia em que o Quim entrou no café a gritar com o Diário de Lisboa
na mão: «Acabou, puta que os pariu!
Estamos livres!».
Estávamos
a vinte e seis de Abril de 1974, cheios de medo e de incertezas do que estava a
acontecer. O Quim em Pedrouços, abriu a janela de casa de par em par com o
volume do gira-discos no máximo, para todos ouvirem o Manuel Freire cantar:
Não há machado que corte /A
raiz ao pensamento
Não há morte para o vento
/Não há morte
Mas
isso foi outra festa... Agora voltemos ao meu S. João.
No
palanque ao fundo da rua, junto ao fontanário, tocava a “Orquestra Boémia”. No
largo, enfeitado com uma teia de aranha feita em corda de festão e candeeiros
de arame com papel de seda, todos dançavam com alegria. Havia muita luz e um
cheirinho a sardinhas e pimentos assados no ar.
Os
rapazes de brilhantina no cabelo e olhos atentos nas raparigas que enchiam o recinto.
Elas de lindos sorrisos e vestidos aos folhos, outras mais atrevidas de saias
muito justas e blusas a tangerem os peitos ardentes de desejos.
A
Antonieta até uma flor no cabelo trazia, (como era linda a Antonieta!) Foi o
Eduardo que a convidou para dançar e não mais a largou toda a noite, (Como
devia ser bom, andar nos braços da Antonieta...). Já de madrugada, andava a mãe
dela, a Rosinha (tecedeira da fabrica de Salgueiros), à procura da filha.
Ninguém reparou que ela estava tão perto, aos beijos com o Eduardo num canto
escuro da “Ilha do Almeida”. Abraçada a ele com o peito a palpitar, os lábios
húmidos de beijos, o seio na mão dele, nos olhos a loucura de duas luas
brilhantes. Era noite de S. João, e quantas como a Antonieta, ainda haveriam
até o sol nascer...
As
fogueiras pela rua abaixo crepitavam e faziam curiosos bailados de sombras nas
paredes. Casais de namorados saltavam-nas com cuidado para não se queimarem nem
entornar a cafeteira do café, ou a grelha das sardinhas.
Rusgas
passavam com alegria, rancho de gentes dançando e festejando o S. João, vinham
do Monte Pedral, do Campo Lindo, das Barrocas, da Fontinha de outros bairros. Os
homens traziam ramalhos e balões, tocavam bombo, concertina, viola e ferrinhos
e as mulheres batiam com testos e panelas cantando:
Orvalhadas, orvalhadas,
orvalhadas
E viva o rancho das
mulheres casadas
E repenica, repenica,
repenica
O S. João a mijar em bica
Os
moradores da rua ofereciam vinho e sardinhas e broa a quem passava. A um grito
de alerta e tudo olhava o céu. «Olha o
balão!» E lá ia ele, como um sol na noite escura, levando mensagens de paz
e alegria, queimando as mágoas da gente numa emoção contida. Era a festa dos
afectos! Era a festa de S. João da minha rua!
continua
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