continuação
Mas vamos ao S. João.
Nesse dia a nossa rua estava toda engalanada
de ramos de palmeiras que faziam arco, presas com arame a meio e na junção das
pontas, um balão. Depois um festão colorido ligava os vários arcos de uma ponta
a outra da rua. Um grande balão iluminado, feito com arames em forma de pipo e
papel de seda, estava pendurado à porta do tasco da Sãozinha e dizia: ”Vinhos e
Petiscos”. O Festão era feito aos fins de tarde, já andavam a fazê-lo desde
fins de Março. A corda era esticada ao longo da rua, com a goma feita de
farinha, colava-se o papel de seda às cores. Logo atrás vinham outros a dar
golpes de tesoura muito certinhos, por fim o Mário estofador, com um aparelho
de fazer as molas dos sofás, dava a manivela torcendo a corda, até o festão
ficar em espiral.
Faziam-se também bambolins, mas para isso, o Sr. Alfredo da
tipografia, trazia o papel já cortado às tiras, depois era só colar elo a elo em
cores alternadas como um cadeado.
Junto
ao palanque erguia-se o “Bufete” e ao lado era a cabina de som, onde o Fernando
punha os discos no gira-discos e tratava da publicidade como:
«Prefira produtos da mercearia Sousa, com
origem nas melhores procedências, António Sousa, rua da Glória 84, com o
telefone 457892».
Também
se dedicavam discos aos vizinhos e então ouvia-se:
«Um anónimo dedica à menina Judite o disco
que se segue».
Servia
também para chamar, por exemplo:
«Atenção Sr. Vieira, atenção Sr. Vieira, a
sua mulher procura-o aqui junto à cabina de som».
Também
para agradecer, assim:
«A comissão de festa, agradece ao Sr. Amaral
carvoeiro, o seu donativo para a presença da orquestra “Os Boémios”, que
abrilhantarão o baile neste recinto do S. João da Lapa».
Minha avó preparava a assadeira para levar á
padaria do “Mouco”, temperando o anho com azeite e colorau. Sentia-se no ar um
cheiro bom a loureiro e alhos, coentros e alecrim. Guardo ainda a memória dos
aromas, dos cheiros caseiros da infância que nunca se esquecem, que vão desde o
cheiro ao fumo do carvão, até ao cheirinho dos pêssegos na fruteira.
Durante a semana, tinham andado os homens
com rebanhos de carneiros pelas ruas, as mulheres juntavam-se aos pares para
escolher e comprar o anho a meias. Ali mesmo na rua, depois de tosquiados á
tesoura e a lã amarrada, com a ajuda de um alguidar de barro e facas, os homens
matavam e esfolavam os carneiros. As moscas zumbiam, voando junto ao alguidar
com as entranhas dos bovídeos á mostra e as mulheres deitavam baldes de água
pela rua abaixo para lavar o sangue. Não era bonito de ver, mas estava-mos
habituado àquele espectáculo insalubre.
Na véspera de S. João á tarde, estava tudo
pronto para a noitada, ouvia-se nos altifalantes de corneta, alugados à Ideal
Rádio:
«Um, dois.
Um, dois. Experiências de microfones...».
A
noite chegava finalmente e o “Pirata” electricista ligava as luzes da rua, era
uma alegria a nossa festa, quando do céu começavam a cair as orvalhadas.
continua