terça-feira, 11 de julho de 2017

SÓTÃO DA MEMÓRIA





continuação

O Carnaval era divertido, pelas brincadeiras, pelas partidas que se faziam sem ninguém levar a mal. Com bisnagas redondas em baklite, que cabiam na palma da mão, para molhar quem passava. Os estalinhos com chumbinhos embrulhados em papel. Ampolas de cheiro que ao partirem espalhavam um odor pestilento em redor. Haviam também os pirilampos, umas tiras de cartão com fulminantes, que raspados na parede estalavam no meio das mãos em concha. Os chapéus coloridos de papel de crepe. Cornetas em cone coloridas e as “Línguas da Sogra” que ao soprar, alem de assobiarem, se distendiam com uma pena colorida na ponta e voltavam a enrolar impelidas por uma mola. Haviam as máscaras de cartão com caretas medonhas e óculos com grandes narizes e peludos bigodes, serpentinas e balões.
Nós, os mais mariolas, atávamos linha preta aos batentes e ficávamos escondidos a bater às portas até irritar o vizinho. Colava-mos moedas ao chão para nos rirmos ao longe das pessoas que não conseguiam apanhá-las. Porta-moedas vazios atirados ao chão, com uma linha que puxava-mos ao ser apanhados. Enfim, eram partidas inofensivas, mas que serviam para nos fazer rir dos incautos. De tudo o que compunha as festas de Carnaval, aquilo que eu mais gostava era do cortejo dos Fenianos Portuenses. Os carros alegóricos, coloridos e artisticamente decoradas, sempre com uma intenção subtil de sátira ao governo, criticando por entrelinhas a situação em que se vivia na país, sempre contornando a policia politica e a atenção da censura. A maior parte destes carros, eram promovidos por empresas que aproveitavam para fazer publicidade aos seus produtos, como a pasta medicinal Couto.
Componentes mascarados, caricaturando grotescamente as figuras públicas, atirando montes de serpentinas e confetis coloridos. Cabeçudos, fantoches e fanfarras de fardas coloridas, bandas de música e Zés Pereiras alegravam as ruas por onde passavam. No dia do corso, minha avó levava-nos sempre para o mesmo local, sentávamo-nos no muro da igreja de Fardelos na esquina de Sá da Bandeira com a rua Guedes de Azevedo, o cortejo passava em direcção ao largo do Bonjardim, Gonçalo Cristóvão, descia Camões terminando na Trindade junto á sede do Clube dos Fenianos. O dia do cortejo era um dia diferente e mesmo o comércio, fechava para ver passar pelas ruas a festa do Entrudo. 
Cheguei a assistir na cidade a outros cortejos, como o do circo onde estrelava a trapezista Pinita Del’Ouro, que se exibia no Pavilhão do Palácio de Cristal, no Circo “Arraiola Paramés”. Este desfile era monumental pelos animais que trazia para a rua, elefantes, cavalos e jaulas de tigres e leões puxados por tractores. Artistas de circo com suas vestes coloridas, desde malabaristas, acrobatas, ilusionistas, etc., exibiam-se em plena rua com suas artes e habilidades, atraindo a criançada.  
Conto-me meu pai, que já em 1934, tinha visto algo parecido com o desfile de animais da selva e carros alegóricos dedicados à História da Expansão Colonial Portuguesa, quando foi o final dessa Exposição organizada pelo Estado, era como se o império desfilasse, mostrando momentos da história de Portugal, povos de terras distantes, neste país que tinha como principal fundamento a trilogia: “Deus, Pátria e Família”. Esta exposição teve lugar nos jardins do palácio de Cristal, onde para o efeito chegou a ser implantada uma estátua ao espírito colonial português. Esta estátua que esteve desmontada muitos anos nas oficinas da câmara, acabou por ser reconstruída e de novo implantada mas desta vez, na praça do Império, ao fundo da Av. Marechal Gomes da Costa, por ordem da Câmara presidida por Paulo Valada.

continua

 


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