Continuação
Numa
das páginas do programa ao S. João da Lapa/59, lia-se a Marcha da Lapa, um
original do José Guimarães e Resende Dias dizia assim:
Olhai
como o nosso bairro é lindo
Recanto
infindo / Que dá conforto
Olhai
este canteiro singelo
Que
é o mais belo / Deste bom Porto
Bairro
da Lapa é um tesouro / Tão cheio de majestade
Imponente
miradouro / A dominar a cidade
O
estribilho era assim:
Bairro
da Lapa / Meu rubi a cintilar
Tens
a graça popular / Nas noites de S. João
Bairro
da Lapa / Oh meu cantinho adorado
Onde
até o Rei Soldado / Tem guardado o coração.
Já lá vão tantos anos, mas recordo-me ainda
desse S. João de 1959 foi assim:
A azáfama tinha começado logo
pela manhã, quando acordei com a minha avó Ana a chamar:
— Ò Amélinha veja lá, não se
esqueça de ir aos pimentos e encomendar a broa ao “Mouco”!
Era sempre assim no dia de S. João, havia
pimentos e sardinha assada, caldo verde e broa. Mais à noitinha era a vez das
torradas com café, feito nas fogueiras ao longo da rua.
A Amélia “manca” como lhe chamavam, lá ia
rua da Glória abaixo à tenda da Zirinha hortaliceira. A Amélinha era uma viúva
muito prestável com os vizinhos. Tinha três filhos, o Xico o mais pequenito, o
mais velho que estava para Lisboa (era raro vir ao Porto) e o Zeca que trazia algum
dinheiro da venda dos jornais, saltava de eléctrico em eléctrico subindo a
Lapa, apregoando: «Olha o Norte!... Olha
o Notícias!... »A pensão que recebia do acidente que sofreu na fábrica, era
uma miséria, mas a Amélinha era querida por todos, principalmente por aquelas
que tinham vergonha de ir ao “Prego” e lhe pediam o favor do recado.
A vida era muito difícil nessa altura,
assim, não faltavam diálogos como estes:
— Ó
Sr. Reis dê-me lá os cem mil reis, a criatura que me mandou tem que pagar a
renda, depois, é só por uns dias... Implorava a Amélinha e respondia o Sr.
Reis:
— Vou
fazer-lhe o jeito, mas veja-me aquelas cautelas da D. Adosinda, desde Abril que
não paga juros e já estamos em Junho!
Esta D. Adosinda não era casada, mas um
automóvel “Singer” parava uma vez por semana no fundo rua e um senhor de chapéu
preto subia até à sua casa e ficava lá até tarde. Nós, os putos, ficávamos a
rodear o carro ofuscados pelo brilho dos cromados, olhando os nossos rostos que
espelhavam na pintura, admirávamos o luxo dos assentos em pele. Depois no dia
seguinte, a D. Adosinda vinha à janela de flor no cabelo e atirava “à
guerrilha” rebuçados, por no dia anterior ter-mos tomado conta do carro do Sr.?.
Ajudava todos que lhe batiam à porta; Uma
receita para aviar na farmácia. Um desmancho de uma gravidez indesejada. Um
marido desempregado ou o fiado cortado na mercearia. Por isso lá na rua era
tratada por senhora dona Adosinda.
continua
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